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Não estamos falando aqui, é claro, do excelente filme (2003) de Sofia Coppola, estrelado por Scarlett Johansson e Bill Murray, ironicamente traduzido como “Encontros e Desencontros”, como para exercitar o significado da expressão americana, que significa algo incapaz de se compreender por ter sido mal traduzido. ESG pode ser assim!

Um pouco de história.

ESG – Environmental, Social, and Governance significa Ambiental, Social e Governança, acrônimo relacionado ao conceito de sustentabilidade que surgiu a partir do contexto de investimentos. Também representa uma evolução quase natural de um crescente nível de maturidade organizacional para tratar de sustentabilidade:

Não é muito difícil de traduzir ESG literalmente, ou de compreender seu significado, concordam?

No contexto das organizações, ESG diz respeito ao modelo de negócio das companhias, ou seja, como seus produtos e serviços contribuem para o desenvolvimento sustentável. E é também sobre a gestão de risco da empresa, ou seja, como ela gerencia suas próprias operações para minimizar os impactos negativos que gera. Temas para a Governança, e que dizem muito ao Conselho de Administração ou ao Conselho Consultivo, sem dúvida!

O uso do cachimbo deixa a boca torta!

A dificuldade vem da nossa própria incapacidade de “traduzir” ESG em ações concretas, que promovam a efetiva gestão de risco da empresa e maior criação de valor para todas as partes interessadas com quem interagimos. Mas, não é por acaso!

Como gestores, fomos orientados a procurar os resultados financeiros como justificativa para a existência das empresas. Gerar lucro que satisfaça os acionistas sempre foi garantia de sucesso e reconhecimento para qualquer gestor, o que vinha atrelado a atraentes bônus acrescidos à remuneração fixa.

Como consequência natural do objetivo de tão somente gerar lucro, as empresas usam os recursos naturais do planeta como se tivessem a garantia de que há um outro planeta de estepe. E se comportam socialmente a explorar da maneira que melhor lhes aprouver a força de trabalho, direta ou terceirizada, oferecendo-lhe o mínimo necessário. E como suporte a tudo isso, a ética flexível sempre esteve à disposição para justificar aquilo que era sabidamente inaceitável.

Como resultado desse Capitalismo de Shareholder e de seu irmão siamês não menos nefasto, o Autoritarismo de Estado, as demais partes interessadas foram relegadas ao último nível de atendimento de suas necessidades e expectativas, o que levou a inúmeros problemas tais como desastres ambientais, uso irresponsável de recursos naturais não renováveis, desigualdade crescente entre nações e entre extratos da sociedade, e escândalos, cada vez mais visíveis, por corrupção de agentes públicos para favorecimentos espúrios e uso impróprio de bens e serviços públicos.

Quem não vai por amor, vai pela dor!

Há algum tempo isso vem mudando, mas só recentemente se tornou denominador comum.

O primeiro grande fator de mudança é a questão geracional. Enquanto jovens, as pessoas têm aversão às práticas e resultados nocivos aqui relatados. Seria bom, e devemos encontrar maneiras de incentivar isso, que mantivessem essa aversão ao amadurecer.

O segundo grande fator veio de movimentos como o da “Carta aos CEOs” de Larry Fink em 2019, quando propôs uma mudança estrutural na orientação estratégica das empresas e inseriu de vez a sustentabilidade (e por consequência o ESG) no coração dos investimentos, propondo que sejam responsáveis e de longo prazo, ao contrário do movimento até então visto como natural no mercado financeiro.

Para entender melhor, Larry Fink é o CEO da Black Rock, a maior gestora de fundos de investimentos do mundo, com cerca de US 6,5 trilhões em ativos em seu portfólio, atuando nos principais mercados globais. Anualmente, em sua “Carta aos CEOs”, tem destacado as estratégias de negócio que orientam os CEOs das empresas que recebem investimentos da Black Rock.

A partir de então, o ESG ganhou força na pauta das organizações e da mídia, suscitando todo tipo de evangelização, algumas bem fundamentadas, outras nem tanto, todas exploratórias de um futuro em construção.

O que se inicia como um imperativo moral, quando pode ser tratado por Design, fatalmente se transformará em passivo legal, por Desastre ou por Decreto (modelo 3D das transformações).

Lost in Translation.

E aqui começam os desafios. Como traduzir a necessidade de implementar o ESG em ações concretas, considerando que a pressão dos investidores trouxe o foco da sustentabilidade do longo para o curto prazo, as cadeias produtivas são muito mais integradas, e as pessoas, principalmente as novas gerações, mais exigentes quanto ao tema?

Examinando cada perspectiva do ESG temos:

(E) Ambiental: A produção e o consumo globais têm um grande impacto em nosso meio ambiente. Ao produzir e consumir qualquer bem contribuímos para as mudanças climáticas, esgotamento de recursos, resíduos, poluição, desmatamento e biodiversidade, para citar alguns exemplos.

(S) Social: As empresas são responsáveis por seus funcionários, bem como por seu impacto nas sociedades em que operam, em termos de condições de trabalho, direitos trabalhistas e diversidade, por exemplo.

(G) Governança: A governança pode servir como um mecanismo de controle em relação a suborno e corrupção, impostos, remuneração de executivos, representatividade dos acionistas e controle interno. Uma governança corporativa ativa é importante para o desenvolvimento das empresas e oferece benefícios de longo prazo para acionistas, funcionários e a sociedade.

Navegar é preciso, viver não é preciso!

Nicholas Stern, Professor de Economia da London School of Economics (LSE), no prefácio do livro seminal de Pavan Sukhdev[1], Corporation 2020: Transforming Business for Tomorrow’s World, nos oferece a carta de navegação:

“Muitos dos nossos problemas, ou a maioria deles, residem na combinação de falhas de mercado e comportamento irresponsável e de curto prazo. Temos em nossas mãos a tarefa de superar esses problemas por meio de políticas sólidas, comportamento colaborativo, uma abordagem mais previdente das consequências de nossa ação e o processo de descoberta sobre tecnologia, organização e política. Todos estes se reforçam mutuamente. E podem trazer avanços nos padrões de vida material, especialmente para os pobres, maior inclusão social e econômica e equidade, e um ambiente mais atraente e hospitaleiro para todos nós. Ou seja, maior sustentabilidade econômica, social e ambiental. Na verdade, a menos que ajamos para colocar os três juntos, cada um deles provavelmente será prejudicado.”

Segundo Nicholas, e ao contrário do que o senso comum indica, não devemos tratar as três dimensões em separado. As três perspectivas se unem no mundo das externalidades.

Os Conselhos devem ter clareza das externalidades que as empresas geram, ou seja, os efeitos colaterais de suas decisões de negócio sobre aqueles que não participaram dela, e traduzi-las de forma tangível, tanto as positivas quanto as negativas.

Dessa forma, é importante notar que não há somente riscos a serem gerenciados, mas também oportunidades para as empresas que de fato integram os fatores ESG em seus negócios.

Boa jornada!

[1] Economista ambiental indiano cujo campo de estudos inclui economia verde e finanças internacionais

Imagem: Envato/Arte/Mercado&Consumo

Jorge Secaf Neto

Jorge Secaf Neto

Sócio fundador da Setting e Conselheiro Certificado IBGC, atua como Conselheiro e Consultor Sênior em organizações que buscam transformação. Tem seus principais interesses profissionais vinculados à educação executiva de forma continuada, e à busca pela excelência em Governança e Gestão organizacional.

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