Skip to main content

Compartilhe isso!

Formada em comunicação social e jornalismo Mariana Moraes é coordenadora de comunicação do GIFE . Antes disso, trabalhou na área de responsabilidade social da Repense Comunicação e em ongs como Oxfam e Action Aid Austrália. É voluntária do Sou da Paz e TETO.

01. O brasileiro é um ator filantrópico? Como acontece o investimento socioambiental no país?

O brasileiro é considerado um povo generoso, mas a cultura de doação, seja em tempo, dinheiro ou ajudando alguém ainda é muito incipiente. No World Giving Index 2013  – pesquisa global sobre solidariedade, nos posicionamos em 91o lugar, de 135 países pesquisados. Acredito que esse cenário se dá, entre outros fatores, pela falta de confiança em organizações da sociedade civil, pelos escândalos que o setor passou nos anos 90 e na última década. Além disso, a falta de cultura se dá também por desconhecimento da importância de apoiar ONGs como forma de fortalecer a sociedade civil. Tenho observado alguns movimentos que estão investindo esforços para mudar esse cenário e instituir a cultura do doar no país, entre eles o Doar (www.institutodoar.org.br).

No Brasil, o investimento social, nome dado ao repasse de recursos privados para o desenvolvimento do bem comum – de forma sistemática, planejada e voluntária – tem um perfil mais empresarial. No GIFE por exemplo, Grupo de Institutos, Fundações e Empresas, dos 2,4 bilhões investidos no Brasil anualmente, mais de 50% do recurso é feito via empresas ou institutos e fundações empresariais. O investimento social empresarial, com raras exceções, tem um jeito muito próprio de operar, executando com equipe própria ou contratando terceiros para a execução de seus projetos. Além da falta de confiança nas ONGs, outros fatores ajudam a explicar porque o investidor social empresarial não tem a prática de doar, como a baixa percepção da capacidade das organizações da sociedade civil de operar, a necessidade de avaliar o impacto do seu investimento, de reportar os resultados obtidos para a empresa mantenedora e mostrar o valor que o investimento social agrega ao negócio.

Outros perfis compõem esse campo de investimento social no país, como os familiares e os independentes.

 

02. No Brasil há incentivos fiscais para os apoiadores de projetos e organizações. Sendo a Lei Rouanet (Lei 8313) a mais utilizada. Você considera o incentivo fiscal o maior impulsionador dos apoiadores a projetos brasileiros?

Acredito que não. A rede GIFE conta com 133 associados, e do recurso investido por eles, aproximadamente 15% é incentivado apenas. Temos no Brasil algumas leis de incentivo a nível federal: a Rouanet (cultura), Esporte, da Criança e Adolescente (FIA), do Idoso, projetos ligados à oncologia (Pronon) e para projetos que beneficiam a pessoa com deficiência, o Pronas. As pessoas e empresas, no entanto, pouco as conhecem. A lei de incentivo ao esporte por exemplo, muito do recurso disponível não é utilizado, tanto por organizações financiadoras quanto aquelas solicitando a verba. Além disso, os incentivos estão restritos às empresas tributadas por lucro real, o que afasta médias e pequenas empresas.

 

03. Hoje se fala muito na “profissionalização da gestão” no terceiro setor. Em sua opinião, qual é a importância dessa gestão tanto na melhoria dos resultados quanto na confiança do doador/incentivador?

A profissionalização na gestão é uma questão fundamental. Organizações bem administradas tem melhor condições de mostrar com transparência o uso do recurso, requisito importante no momento de captar recursos. Mas a gestão inclui tanto a financeira, quanto gestão de pessoas, planejamento, monitoramento e avaliação. Um destaque pode ser na comunicação: a maior parte das organizações tem desafios enormes em comunicar de forma clara, eficaz e cativante o que fazem, em contar boas histórias, em engajar, em prestar contas e dar transparência às suas atividades. Tudo isso é fundamental para conquistar a confiança do doador e de toda a sociedade.

Hoje muito se avançou, apesar da enorme diversidade na sociedade civil, mas o desafio ainda é grande. A Fasfil, importante pesquisa do setor, mostra que mais de 70% das Fundações Privadas e Associações Sem Fins Lucrativos não tem sequer um funcionário formalmente registrado.

 

04. De acordo com a distribuição geográfica das organizações, quais regiões tem maior/menor densidade no Brasil? Ela segue a distribuição das empresas/indústrias? Qual perfil de público é melhor atendido por elas?

A distribuição das entidades acompanha aproximadamente a distribuição populacional, por estado. Há uma pequena sub-representação no norte e uma pequena super-representação no sul. A maior parte dos associados GIFE está concentrada no sul e sudeste, mas possuem iniciativas realizadas em outras partes do país. É difícil dizer qual perfil de público melhor atendido, porque ele é muito diverso e dos mais variados temas. Segundo o Censo GIFE, o principal público atendido pelos investidores sociais são crianças e jovens, principalmente em função dos temas prioritários dos investidores sociais, que são educação e formação de jovens.

 

05. De acordo com censo GIFE de 2011-2012 a maioria das organizações tem até 10 anos, o que pode ser considerado uma atuação recente. Em outros países este mercado é mais maduro? Qual é a grande diferença entre os projetos do terceiro setor realizados no Brasil e em outros países?

O investimento social no Brasil é um tema recente, assim como a democracia do país também é um tema recente. O GIFE, por exemplo, completará 20 anos no ano que vem. Nos Estados Unidos e na Europa, por exemplo, o tema vem sendo discutido a mais tempo: Rockefeller Foundation e a Cleveland Foundation já celebraram seu centenário.

Acredito que a diferença dos projetos no Brasil é mais em relação a forma de atuação. No Estados Unidos é clara a distinção entre os grantmakers e grantseekers: aqueles que investem em projetos e os investidos. No Brasil, essa distinção não é clara. A falta de reconhecimento e força das ONGs faz com que grande parte dos investidores sociais optem por operarem seus próprios projetos ao invés de doar recursos à organizações da sociedade civil.  

 

06. Em diversos mercados temos tendências que direcionam e permeiam as demandas e ofertas de serviços e produtos. Esta variável funciona para o terceiro setor? Se sim como? E quais são as tendências atuais que influenciam este mercado?

Como o objetivo final é a transformação e não o lucro, a lógica muda um pouco. As demandas são relacionadas aos problemas sociais, cuja solução na maioria dos casos demanda tempo. No entanto, algumas tendências podem ser apontadas. Em março deste ano, o GIFE promoveu seu 8o Congresso e nele trabalhamos alguns tópicos como o alinhamento do investimento social empresarial ao negócio;  a diversificação da fonte de recursos das ONGs com a saída da cooperação internacional e a importância de projetos mais inovadores e que assumam mais riscos – uma característica que pode ser adotada por investidores sociais, diferentemente do governo por exemplo.

Mais uma tendência é o coinvestimento, mais apontada em organizações que trabalham com o tema educação. Fundação Roberto Marinho e Fundação Victor Civita, por exemplo, se uniram para juntos desenvolverem o Educador Nota 10. Por meio do coinvestimento, mais parcerias são feitas, há convergência de recursos e legitimação mútua às organizações.

 

Flavia Secaf

Flavia Secaf

Sócia, Consultora e Coach, Flavia Stuart Secaf especialista em psicologia clínica, psicologia da educação e gestão empresarial, atuou em instituições públicas e privadas como consultora, orientadora e avaliadora educacional. Psicóloga clínica pela PUC-SP e Coach Executiva e Life Coach pelo ICI - Integrated Coaching Institute.

Leave a Reply